30.11.05

Calyptorhynchus banksii


"O incidente comoveu-me tanto que escrevi uma crónica para o domingo com um título usurpado a Neruda: É o gato um tigre mínimo de salão? A crónica deu origem a uma nova campanha que uma vez mais dividiu os leitores a favor e contra os gatos. Em cinco dias prevaleceu a tese de que podia ser lícito sacrificar um gato por razões de saúde pública, mas não por estar velho"

Gabriel García Márquez

25.11.05

Alisterus scapularis


Modo De Amar - VI


Inclina os ombros
e deixa
que as minhas mãos avancem
na branda madeira

Na densa madeixa do teu ventre

Deixa
que te entreabra as pernas
docemente

Maria Teresa Horta

21.11.05

Amazona albifrons


Gancho à direita, largo

As vezes dou comigo, quando estou distraído, a pensar que gostava de conversar comigo.
Estou farto, quero sair de mim.
Vou morrer.

Uma linha em branco.
Outra linha em branco.

Todos vamos morrer.

Amazona autumnalis


"Conclusão a sucata!... Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado...
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo..."

Álvaro de Campos

15.11.05

Psittacula derbyana


É assim que se diz não!
A água está a ferver na área da água da cafeteira.
Nada é tão simples e há alturas em que de nada servem as palavras.

12.11.05

Cacatua sanguinea


" porque a música de dança também é para ouvir... " e dançar!!


Este é o título mais desprovido de qualquer tipo de conceito apolínio. É absurdo e paradoxal. Não afirma , declara em tom exclamativo ... que a música se é de dança é para ser ouvida como se fosse um excerto de uma resposta à pergunta : para que serve a música de dança? a pergunta isolada de um qualquer contexto é espacial, entenda-se sobre-humana. A resposta pela sua exigência requeriria tamanha investigação não só teórico mas também prática que para ser compreendida isso só seria possível através de uma planificação cuidada e de uma boa dose de motivação do professor ao seu aluno para que este antes mesmo de a compreender a sentisse como que numa epifanía. As epifanías são próprias de uma sabedoria ancestral. Os indíos que habitavam a natureza e eram parte integrante da natureza - logo muito mais sujeitos a fenómenos deste género visto que a natureza é o quadro por excelência de uma experiência cósmica - , quando nascia uma criança os pais ficavam em meditação de pôr-do-sol a pôr-do-sol com as palavras cantadas por companhia. Isto para dizer que as epifanías surgem quando o inconsciente se sobrepõe ao consciente quer através do cansaço, de drogas ou alcoól e curiosamente é este o conhecimento supremo que nos fica marcado no corpo e não na parte exterior de nós mesmos, ou seja a consciência. Este título é assim a explicação da perfeição apregoada por Nietzsche : A saúde e a doença são uma síntese combinada no interior do Homem, e se bem feita dá-se o desenvolvimento humano. a declaração é feita num momento cósmico, expressa na redundância da frase: a música de dança também é para ouvir, como é óbvio pois não sendo assim como seria possível dançar? - exceptuando claro está o poder das vibrações - porém a redundância desaparece e projeta o Homem para o futuro para um patamar superior de entendimento. Na verdade o segredo está na palavra também que sugere o desaparecimento da redundância porque , é a evidência de que o autor reconhece a redundância e a ultrapassa : concorda que para se dançar é preciso ouvir porém a palavra também remete-nos para um ouvir diferente. O autor do slogan, que por o ser tem de ser apelativo e como tal misterioso e incompleto de modo a atingir uma maior variedade de públicos-alvo, não nos diz que o acto de ouvir música de dança implica escutarmos o nosso corpo, a nossa irracionalidade muda e que o diálogo não surge através de palavras redutoras, guerreiras do consciente, mas sim pelo ritmo, um diálogo entre o nosso ritmo e a música, a dança torna-se num libertar irracional que se ajusta na perfeição à matemática do ritmo, que provoca o ritmo e que é induzido pelos movimentos numa simbiose cíclica e perfeita entre a nossa cabeça e o nosso coração, um diálogo profundo que nos mergulha em abismos ou nos eleva em paraísos existentes cá dentro como que numa autêntica experiência xamânica, um escutar de um diàlogo interior que apenas um poeta.. que preveja o futuro da sociedade, que seja o nosso vidente.. com o seu poder de síntese nos poderia explicar de maneira que sentíssemos o incompreensível, a construção de um futuro de um projeto rejuvenescedor e renovador da música de dança.. que também é para ser ouvida.

Tiago Nunes

10.11.05

Pezoporus wallicus
























A vontade de beber água-exemplo fresca

Há algo em mim que conheço.
A estranheza de desconhecer-me através do tempo que conheço de mim.
Os aros brancos de açucar ao sol, a descida rápida duma amêndoa-amarga.
É como um broiler que comeu como eu.
Tudo é qualquer coisa. As coisas todas têm as razões que têm. Já não há linhas puras, se houve. E se há?
A musica plastificada das palavras que não querem dizer coisa alguma. Só sons, grunhidos, guinchos. Só sons como a musica das palavras.
Nem eu sei o que conheço de mim.
Repito-me mim,
até perder eu todo o significado que não sei se tenho.
(Como com uma palavra de significado fácil, que se vai perdendo no espaço-musica do tal exercicio.)
Sinto que não existo.
Sinto-me colocado, a deslocar à superficie do planeta.
Principios indispensáveis para me sentir sem me alcançar.
Ou outra coisa qualquer que não sei que nome lhe dar.

Loriculus galdulus


"Já viu um um padre detonar uma espingarda de dois canos numa criança faminta, Wurmbrand? Que beleza de santidade."

Richard Wurmbrand

6.11.05

Prosopeia personata


Há exercícios para treinar a verdade como, por exemplo, ter medo. Ou então ter fome. Depois restam exercícios para treinar a mentira: todos os grupos são isto, e todos os negócios.
Estar apaixonado é outra forma de exercitar a verdade.

Gonçalo M. Tavares

Psittaculirostris edwardsii


"Um dia os soldados entraram na casa de Johana e viram que Johana era bonita e viram ainda que Johana tinha uma mãe louca que não entendia os que falavam a sua língua, muito menos quem falava outra língua.
Um soldado que se chamava Ivor olhou mais vezes para Johana; olhou mais vezes que os outros soldados que não se chamavam Ivor.
Ivor disse na língua que Johana era obrigada a perceber:
Vou voltar. Não te esqueças de mim.
Johana ouviu. Catharina também ouviu.

Dois dias depois, Ivor e três soldados entraram à força em casa de Johana, agarraram-na, e Ivor violou-a.
Catharina foi trancada no quarto e ouviu sons que não entendeu; passou o tempo a riscar a porta com a agulha, e depois a pôr a agulha na fechadura como se fosse uma chave."

Gonçalo M. Tavares

Strigops habroptilus


"Nada de novo. O dinheiro não é uma invenção
Do ar livre: foi criado nas fábricas,
Nos compartimentos espessos, nos grandes edifícios.
Na cidade o gosto a leite já lembra mais a máquina
Que a vaca. Entardece, e as meias que de manhã
Eram brancas são despidas em casa já negras.
O fumo baixo come lentamente os tornozelos
Ocupados. A cidade bebe vinho, e alguns pais
Distraídos cantam canções pornográficas
Para as crianças dormirem. Se alguém ouvir o galo
Pensará de imediato que começou a catástrofe."

4.11.05

Psittrichas fulgidus


- Não sei se tu sabes, Josephine, mas os papagaios africanos, quando estão na sua terra-natal, o Congo, só falam francês.
- A sério?
- Se conseguires arrancar-lhes quatro palavras em inglês, já é uma sorte. Mas se te passeares pela selva, poderás ouvi-los conversar num riquíssimo francês. Aqueles papagaios falam de tudo, de política, cinema, moda... Falam de tudo menos de religião.
- Por que não falam de religião, pai?
- É indelicado falar de religião. Nunca se sabe se ofendemos alguém.
- A Josephine foi ao Congo o ano passado.
- Então sabe!

Big Fish